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art of articleart of articleA liberdade em spinoza; discussão com Descartes

Dr. Antonio Baptista Gonçalves - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Resumen
La libertad no existe para Baruc Spinoza. El autor es un racionalista y por lo tanto se preocupa por las nuevas nociones de su tiempo sobre el universo. Para ello desarrolla su teoría acerca de una  sustancia -única- igual a la naturaleza, esto es, Dios, de donde se sigue (por su naturaleza y atributos) que no puede haber libertad y el libre albedrío. Veremos cómo se desarrolla esta idea a partir de la relación de Spinoza con los racionalistas, en particular, Descartes.

Resumo

A liberdade inexiste para Baruch Spinoza. O autor é um racionalista e, portanto, se preocupa com as novas noções em sua época acerca do universo. Com isso para sua teoria acerca de uma substância única igual à natureza, isto é, Deus, funcione, não poderá haver liberdade e livre arbítrio. Veremos como tal ideia se desenvolve a partir da relação de Spinoza com os racionalistas, em especial, Descartes.

Abstract
Freedom does not exist to Baruch Spinoza. The author is a rationalist and therefore cares about the new notions in his time about the universe. Thus for his theory about a single substance equal to nature, that is, God, run, there can be no freedom and free will. We will see how this idea develops from Spinoza's relationship with the rationalists in particular Descartes.

Palabras Claves
Spinoza, libertad, Descartes, reacionalismo, substancia.

Palavra-Chave
Spinoza,  liberdade, Descartes,  racionalismo, substância

Keywords
Spinoza, freedom, Descartes, rationalism, substance

Revista Observaciones Filosóficas - Nº 19 / 2014


Introdução

O artigo em tela tem por objetivo desenvolver o conceito de liberdade a partir e de acordo com os ensinamentos de Spinoza. Assim poderíamos fazer o desenvolvimento da maneira tradicional, ou seja, com a visão racionalista da qual Spinoza faz parte.

No entanto, não nos parece ser esse o caminho que desejamos percorrer. De tal sorte, portanto, iremos inicialmente apresentar quem foi Spinoza, os problemas que enfrentou em especial com os religiosos.

Depois, avançaremos apresentando ainda que em breves linhas sua relação com Descartes e as ideias cartesianas nas quais se inspira para desenvolver sua própria visão do Universo de acordo com os racionalistas. Assim, avançará no modelo apresentado por Descartes, contudo, ainda não trará uma solução definitiva para a proposta dos racionalistas: matematizar o Universo.

Os problemas decorrentes da teoria de Spinoza serão enfrentados por Leibniz a quem Spinoza trocava correspondência. Todavia, sem compreender qual a realidade enfrentada por Baruch de Spinoza e quais as novas ideias trazidas por Descartes naquela época ocasionará uma considerável dificuldade àquele que desejar compreender a negação da liberdade em Spinoza.

E, para um auxílio da problemática, traremos, também, o conceito de liberdade. Posteriormente traremos a visão de Spinoza acerca da liberdade, porém, antes de iniciarmos nosso estudo cremos ser salutar apresentar o pensador objeto de nosso estudo, Baruch Spinoza1.

Spinoza

art of article

Baruch de Spinoza (1632-1677) nasceu2, viveu e morreu na Holanda, onde sua família, que era judia e procedente de Portugal, havia se refugiado da Inquisição. Educado na fé judaica, acabou sendo excomungado por causa das opiniões heréticas, consideradas na época, que adquiriu com o estudo da obra de Descartes (1596-1649), o fundador da filosofia moderna, que, apesar de ser francês, também viveu a maior parte de sua vida criativa na Holanda. Graças a Descartes, aos cartesianos e à liberdade intelectual que prevaleceu na República Holandesa nos anos que se seguiram à bem-sucedida revolta contra a Espanha, a Holanda do século XVII foi, durante algumas preciosas décadas, um centro de vida intelectual e a primeira sede do iluminismo3.

Spinoza não foi exatamente muito adorado ao longo de sua vida4, muito em virtude de suas ideias um tanto quanto revolucionárias para a época. O que ocasionou apenas e tão somente a publicação em vida de uma única obra anonimamente, em 1670, o Tratado teológico-político. Obra esta, que dentre outras coisas, faz uma exegese crítico-histórica da Bíblia, no sentido de demonstrar os argumentos advindos da tradição dos judeus, povo, que, desde a Diáspora, luta por um Estado judeu. Spinoza demonstra que o Estado judeu antigo foi fundado sob leis advindas da imaginação de seus profetas e que deu uma resposta histórica, e não universal.

Spinoza não conseguiu se destacar economicamente através de sua produção literária e, portanto, para garantir sua sobrevivência trabalhou com lapidação de instrumentos de ótica. Dentre seus problemas e conflitos podemos salientar as desavenças com a comunidade judaica, mas também foi odiado por católicos e protestantes.

Paolo Cristofolini5 acerca da vida de Spinoza:

Bento de Spinoza (Baruch em hebraico, Benedictus em suas obras latinas) nasceu em Amsterdam em 1632, numa família de judeus de origem portuguesa. Banido da comunidade judaica em 1656 por um herem (decreto de exclusão) que o condenava pela impiedade de suas ideias e de seu comportamento, ele viveu desde então de maneira modesta, misturando a lapidação de instrumentos de ótica e a atividade especulativa de pesquisa da verdade6.

Sobre seu conflito com a comunidade judaica destacamos a carta de sua expulsão, datada de 6 de agosto de 1656 um anátema lido na Sinagoga de Amsterdam contra Spinoza:

Os Senhores do conselho espiritual fazem saber a vós que, estando há muito cientes dos ímpios sentimentos e palavras de Baruch Spinoza, empenharam-se, em várias ocasiões e mediante promessas, em afastá-lo de sua conduta perniciosa. Todavia, como nada puderam conseguir com ele e, antes, pelo contrário, tendo a cada dia uma experiência maior dos erros pavorosos que ele manifestava em palavras e atos, e de suas vergonhosas afirmações – em prova do que tiveram testemunhas fidedignas, que na presença dele prestaram seu depoimento e o fizeram compreender tudo isso –, resolveram, na presença dos rabinos e com sua concordância, proferir esta sentença de excomunhão contra o referido Spinoza e expulsá-lo do povo de Israel nos termos do seguinte anátema: conforme o julgamento dos anjos e dos santos, nós com plena aprovação do tribunal espiritual e com o consentimento de todas as sagradas comunidades, na presença dos santos Livros, com os seiscentos e treze preceitos nele contidos, banimos, expulsamos, condenamos e maldizemos Baruch Spinoza, com a maldição que Josué lançou sobre Jericó, com a maldição que Elias proferiu contra as crianças, e com todas as maldições que estão escritas no Livro da Lei. Maldito seja ele de dia e maldito seja de noite. Maldito seja ele ao dormir e maldito seja ao levantar. Maldito seja ele ao sair e maldito seja ele ao entrar. Que o Altíssimo jamais o perdoe. Que o Altíssimo faça arderem sobre esse homem Sua ira e Seu desfavor, e que lance sobre ele todas as maldições escritas no Livro da Lei. Que seu nome seja destruído sob os céus e que, para sua desgraça, ele seja separado de todas as tribos de Israel, com tudo o que é amaldiçoado no Livro da Lei. Mas vós, que sois fiéis ao Senhor vosso Deus, nós vos saudamos nesse dia. Certificai-vos de que nenhum de vós lhe conceda nenhum favor; que nenhum de vós permaneça sob o mesmo teto que ele; que ninguém fique a uma distância de menos de quatro côvados dele, e que ninguém leia nada que ele tenha escrito ou transcrito7.

Spinoza despertou a fúria dos religiosos por, dentre outras coisas, destacar negativamente a Bíblia8 e também, como vimos por afrontar a comunidade judaica9, aqui traremos um trecho das afirmações de Spinoza:

Na Escritura, efectivamente, narram-se muitas coisas como reais, e assim eram consideradas, muito embora não passassem de visões e coisas imaginárias. Diz-se, por exemplo, que Deus (o Ser supremo) desceu do céu (Êxodo, cap. XIX, e Deut. Cap. V, 19) e que o monte Sinai fumegava porque Deus tinha descido sobre ele circundado de fogo, ou que Elias subiu ao céu num carro de fogo puxado por cavalos igualmente de fogo, tudo coisas que certamente não passaram de imagens adaptadas às opiniões daqueles que no-las contaram tal como elas lhe apareceram, isto é, como realidades. Quem quer que saiba alguma coisa que mais do que vulgo sabe que Deus não tem direita nem esquerda, que não se move nem permanece imóvel, que não está num determinado lugar, mas que é absolutamente infinito e contém em si todas as perfeições10.

Ainda acerca das críticas de Spinoza sobre a Bíblia, Paolo Cristofolini:

O Tratado teológico-político é uma das obras que marcaram a grande virada moderna da crítica. Desse ponto de vista, depois de ter longamente demonstrado que os textos transmitidos pela Bíblia são truncados, falsificados, alterados e incoerentes, Spinoza conclui disso também que a lei divina universal ensinada pela Escritura não nos chegou sem corrupção11.

Spinoza cultivou vários problemas com os religiosos, como vimos, e no que tange à liberdade apresentaremos o cerne dessas desavenças. No entanto, inicialmente podemos destacar que a visão de Deus e do homem dada pelos religiosos contrastava com o modelo desenvolvido pelos racionalistas, dentre os quais Spinoza faz parte12, assim, é consequência Spinoza negar muito dos ensinamentos religiosos, em especial a parte relativa aos milagres e acontecimentos não explicáveis cientificamente que aparecem na Bíblia.

E ao negar a veracidade destes Spinoza ratifica sua posição como racionalista, mas, evidentemente, ganha uma antipatia generalizada dos religiosos.

Influência de Descartes na obra de Spinoza

Descartes, apesar de francês de nascimento, viveu boa parte de sua vida na Holanda e foi contemporâneo de Spinoza. Por ter vivido naquele País é natural que o cartesianismo tenha causado mais repercussão por lá, mas a teoria se dissemina na França:

É na Holanda, jovem república cuja liberdade a torna centro de convergência da intelectualidade da época e que serve de residência a Descartes por boa parte de sua vida, que o cartesianismo mais rumor provoca. Aí, diversamente da frança terra natal do filósofo, onde a doutrina dissemina-se à margem das universidades e escolas, sendo discutida nas casas de nobres interessados nos rumos dos novos tempos e mais ou menos acolhida por algumas ordens religiosas, o cartesianismo logo seguiu as vias da institucionalização13.

Como demonstrado no começo desse artigo Spinoza mantinha comunicação com Leibniz. E com Descartes no mesmo local de sua moradia Spinoza manteve contato estreito com os ideais do cartesianismo14 e, nessa esteira, em 1663 lança em Amsterdam uma exposição do que entende ser o sistema cartesiano com o título: Partes I e II dos Princípios da Filosofia de René Descartes demonstradas à maneira geométrica15.

Importante localizar temporalmente e espacialmente os expoentes do racionalismo para poder compreender como que a teoria racionalista evoluiu e quais os motivos que causaram tantas reações. Descartes foi importante pela introdução e inserção de uma nova visão de mundo, na qual a matemática era determinante, o que resultou em uma geometrização do Universo.

No entanto, o cartesianismo possui problemas não saneáveis por Descartes que serão observados pelos demais racionalistas como Spinoza e depois por Leibniz que, evidentemente, são influenciados pelo cartesianismo, contudo, desviam o caminho para outra direção diferente de Descartes.

Sobre a influência do cartesianismo em Spinoza, Hadi Rizk:

O aparecimento da física matemática de Galileu e as vivas discussões levantadas, em meados do século, pela interpretação que Descartes lhes dá. Pode-se lembrar principalmente os temas do método e das ideias claras e distintas, do mecanismo e da metafísica necessária para fundamentar a ordem do saber bem como o significado da realidade humana como união substancial do espírito e do corpo. O cogito, Deus e a liberdade16.

Spinoza pode ser considerado um racionalista e teve muita influência de Descartes em seu pensamento. Contudo, Descartes representa o início do racionalismo, mas não é o projeto bem acabado e definido do racionalismo, assim, este se modifica e aperfeiçoa com a visão e contribuição, dentre outros, de Spinoza e de Leibniz.

De tal sorte, como veremos, a visão de liberdade, bem como de essência não é igual na obra de Descartes e na de Spinoza. É notória a influência do primeiro sobre o segundo, porém, Spinoza avança em questões não tratadas por Descartes.

O que é liberdade

Para avançarmos na análise proposta a fim de saber qual é a liberdade em Spinoza, importante será determinar, primeiramente o que vem a ser liberdade, em seu sentido mais abrangente e relacionado com o indivíduo e o convívio em sociedade.

Liberdade. Do latim libertas, de líber (livre), indicando genericamente a condição de livre ou estado de livre17, significa, no conceito jurídico, a faculdade ou o poder outorgado à pessoa para que possa agir segundo sua própria determinação, respeitadas, no entanto, as regras legais instituídas.

A liberdade, pois, exprime a faculdade de se fazer ou não fazer o que se quer, de pensar como se entende, de ir e vir a qualquer atividade, tudo conforme a livre determinação da pessoa, quando não haja regra proibitiva para a prática do ato ou não se institua princípio restritivo ao exercício da atividade18.

Em geral, a liberdade é associada a um indivíduo:

1. Grau de independência legítimo que um cidadão, um povo ou uma nação elege como valor supremo, como ideal (a justiça em termos absolutos é contrária à 1). 2. Conjunto de direitos reconhecidos ao indivíduo, considerado isoladamente ou em grupo, em face da autoridade política e perante o Estado; poder que tem o cidadão de exercer a sua vontade dentro dos limites que lhe faculta a lei19.

Nessa esteira temos o conceito de Marilena Chauí:

Liberdade significa que todo cidadão tem o direito de expor em público seus interesses e suas opiniões, vê-los debatidos pelos demais e aprovados ou rejeitados pela maioria, devendo acatar a decisão tomada publicamente20.

Philip Petit também relaciona a liberdade com o indivíduo:

A teoria da liberdade, como controle racional, pode ser ampliada à pessoa livre. O que ela diz nessa área é que a pessoa será livre quando, e só quando, ela relaciona-se com outras pessoas, de uma maneira tal que ela retenha o controle racional sobre suas ações. A pessoa que está no comando racional de suas ações, e mais ninguém, tem controle sobre o próprio comportamento e é exatamente isso que significa ser uma pessoa livre.

É inteiramente plausível dizer que a liberdade de uma pessoa em relação a outras envolve, nada mais, nada menos, a retenção de um certo tipo de controle básico21.

Predicar liberdade de um agente, em particular, de alguma coisa que o agente fez, é sugerir que ao menos três diferentes tipos de coisas acontecem (O’Leary-Hawthorne, Petit, 1996). A primeira é que o agente pode ser diretamente responsabilizado por aquilo que fez, mas se a ação foi livre, então não tem como pensar em responsabilizar o agente pela resposta que ele deveria ter dado. A segunda é que a ação escolhida livremente é uma ação que o agente pode possuir, pensando: isto aqui carrega a minha assinatura, isto sou eu. E a terceira é que a escolha do agente não foi totalmente determinada por uma certa gama de antecedentes, não foi totalmente determinada, por exemplo, por uma sugestão hipnótica ou um complexo inconsciente de condicionamento infantil.

Qualquer descrição do conceito de liberdade deve levar em conta essas conotações de responsabilidade, possessão e subdeterminação e perguntar qual delas, se existir alguma, é a maior determinante básica da forma que aplicamos o conceito22.

Amartya Sen e a importância da liberdade:

A valorização da liberdade tem sido um campo de batalha há séculos, de fato, milênios, e ela tem partidários e entusiastas, bem como críticos e severos detratores. (...) A liberdade é valiosa por pelo menos duas razões diferentes. Em primeiro lugar, mais liberdade nos dá mais oportunidade de buscar nossos objetivos – tudo aquilo que valorizamos. Ela ajuda, por exemplo, em nossa aptidão para decidir viver como gostaríamos e para promover os fins que quisermos fazer avançar. Esse aspecto da liberdade está relacionado com nossa destreza para realizar o que valorizamos, não importando qual é o processo através do qual essa realização acontece. Em segundo lugar, podemos atribuir importância ao próprio processo de escolha. Podemos, por exemplo, ter certeza de que não estamos sendo forçados a algo por causa de restrições impostas por outros23.

Por fim, Fábio Konder Comparato:

A verdadeira liberdade não é uma situação de isolamento, mas, bem ao contrário, o inter-relacionamento de pessoas ou povos, que se reconhecem reciprocamente dependentes, em situação de igualdade de direitos e de deveres24.

De posse do que vem a ser liberdade e qual a sua importância para o indivíduo e para a sociedade, agora, podemos apresentar como Spinoza relaciona a liberdade com o indivíduo.

A liberdade em Spinoza

Não há liberdade em Spinoza e, para entender o que motiva tal afirmação, necessário será apresentar a noção de alma, corpo e substância, para os racionalistas, em especial Descartes e Spinoza. E, ao fazê-lo já traremos as diferenças de segundo para com a visão do primeiro e, posteriormente o racionalismo.

Conceito de Descartes25:

Subordinação à vontade (se sobrepõe a razão) de Deus;

O que define o juízo26 é a vontade27;

O que é verdadeiro ou falso (inclusive em razões matemáticas da vontade de Deus (se Deus quisesse que 2+2=5, por exemplo, então assim seria). Para Descartes o método da filosofia deve seguir o método matemático, isto é, assumir o sistema axiomático, conceito este levado muito a sério por Spinoza, contudo não é aplicável no que tange à adoração ao divino.

Conceito de Spinoza:

Alma e corpo: duas substâncias que podem existir independentemente uma da outra, mas a existência delas depende de Deus que seria a prioridade para Spinoza (única substância é Deus28). E para alma e corpo, em Spinoza, são atributos da única substância absoluta, isto é, Deus e possui além de alma e corpo uma infinidade de atributos que não conhecemos. Com isso, a vinculação da relação alma e corpo em Descartes se resolve (o que era extenso não era pensante e vice-versa).

Para Spinoza todo ser que não é Deus depende Dele para ser criado e subsistir29. Spinoza é um racionalista, todavia, não concorda com o dualismo de Descartes30. A noção de alma como pensamento é uma visão tipicamente cartesiana, o que não significa que a alma e seu estudo não tenham tido outra visão anteriormente, como fora, por exemplo, em Aristóteles.

O racionalismo pós Descartes descarta o dualismo cartesiano, assim, se busca uma explicação mais satisfatória da relação entre corpo e alma. O problema surge em dar conta da individualidade da alma e, inclusive, a individualidade de Deus (não no sentido cristão ou judaico). Afinal, se Ele está presente em tudo, logo não pode ser uma pessoa e fazer parte do Universo, ou melhor, como criou o mesmo não pode, ao mesmo tempo, estar dentro e fora do próprio Universo. O corpo, propriamente dito em Deus, é o Universo.

Não há, em Spinoza, uma distinção entre Deus e o todo, porque Deus está em tudo31 (onipresente); Deus está em todas as coisas32 e, com isso, uma crítica de localizar Deus no pensamento como um ente vinculado ao ser humano e demais conceitos religiosos entre Deus e o homem.

Assim, o conceito de liberdade teve uma nova interpretação com os racionalistas, em especial com Spinoza. Sobre o tema Jordino Marques:

Não podemos nunca deixar de ver a liberdade no século XVII como um tema sempre recorrente de diferentes matizes e tonalidades como em Leibiniz, Espinosa e em Descartes. O século XVII traz em seu bojo a reflexão sobre a liberdade como conseqüência do novo modelo de explicação que o racionalismo impôs à reflexão33.

Ainda sobre a questão da liberdade Nicola Abbagno:

Negar que o homem como tal é livre e afirmar que ele é livre enquanto manifestação da autodeterminação cósmica ou divina são a mesma coisa. Tudo fica muito claro na formulação de Espinoza: “diz-se que é livre o que existe só pela necessidade de sua natureza e é determinado a agir por si só, enquanto é necessário ou coagido aquilo que é induzido a existir e a agir por uma outra coisa, segundo uma razão exata e determinada”. Nesse sentido só Deus é livre34, pois só Ele age com base nas leis de sua natureza e sem ser obrigado por ninguém, ao passo que o homem, como qualquer outra coisa, é determinado pela necessidade divina da natureza divina e pode julgar-se livre somente por ignorar as causas de suas volições e de seus desejos35.

De tal sorte que se o que existe é Deus, este é a única substância36, então tudo é derivado Dele, mas e como fica a liberdade? Deus possui liberdade absoluta, mas o mesmo não se processa para o ser humano37. Nesse esteio como fica a liberdade em relação ao indivíduo e o materialismo? Essa é a crítica a Spinoza, visto que este nega a existência da liberdade ao indivíduo38.

Nas palavras de Spinoza:

Os homens enganam-se quando julgam livres, e esta opinião consiste apenas em que eles têm consciência de suas ações e são ignorantes das causas pelos quais são determinadas. O que constitui, portanto, a ideia da sua liberdade é que eles não conhecem nenhuma causa das suas ações. Com efeito, quando dizem que as ações humanas dependem da vontade, dizem meras palavras das quais não tem nenhuma idéia. Efetivamente, todos ignoram o que seja à vontade e como é que ela move o corpo. Aqueles que se vangloriam do contrário e inventam uma sede e habitáculos para a alma provocam mais riso ou então náusea39.

A Ética de Spinoza constitui a mais completa aplicação dessa nova teoria da verdade. O autor procura mostrar de que modo Deus se produz a si mesmo, às coisas e ao homem, demonstrando que esse modo de autoprodução é o próprio modo de produção do real. Com isso, Spinoza elimina a principal ideia sustentáculo da teologia e da filosofia cristãs: a ideia de criação, isto é, de um Deus preexistente que tira o mundo do nada. A expressão Deus ou Natureza, encontrada a todo passo da Ética tem vários significados: 1) o ato pelo qual Deus se produz é o ato pelo qual produz as coisas; 2) Deus é a causa de si mesmo e das coisas como causa imanente e não transcendente; 3) a produção divina não visa a fim algum, é o seu próprio fim, ou seja, entre ato de produção e o produto não há distância a separá-los, são uma só coisa40.

E como que Spinoza justifica a ausência de liberdade?

Para Spinoza, o homem não é uma substância, mas sim um modo de substância e, portanto, os diferentes indivíduos nada mais são do que diferentes modos da substância. Assim, o racionalismo (que tem por escopo uma explicação racional do Universo) entra em conflito com a liberdade (porque tudo tem uma razão de ser, a totalidade do real responde a totalidade das proposições em um universo completamente racional).

Nas palavras de Spinoza:

As coisas particulares não são mais que afecções dos atributos de Deus, ou, por outras palavras, modos pelos quais os atributos de Deus se exprimem de maneira certa e determinada”. Sendo assim, a ação humana não poderá ser considerada livre, mas determinada pela natureza da Substância41.

Por conseguinte, podemos deduzir que o livre-arbítrio não é racionalizável, o que notadamente se transforma em um entrave às ideias de Spinoza. Ademais para que a racionalização do Universo seja possível só resta a Spinoza conceituar a negação da liberdade.

É chamada livre uma coisa que existe tão-somente pela necessidade de sua natureza e é determinada a agir somente por si mesma. Mas é chamada de necessária, ou mesmo de coagida, uma coisa que é determinada por outra a existir e a produzir um efeito de maneira certa e determinada42.

Esse modelo já soa estranho nos dias correntes, imagine sob a ótica de hoje na época de Spinoza. Todavia, se transportarmos esse pensamento a um exercício meramente ideológico, este pode encontrar seu lugar, senão vejamos. Em 19 de junho de 2014 foi lançado um filme de ficção científica chamado Transcendente43, no qual a discussão central gira em torno da criação de uma mente coletiva, a partir da transferência da consciência do cientista para uma máquina. Logo, se questiona: Pode uma máquina ter autoconsciência? Quais as consequências de se transportar uma mente (uma das mais inteligentes do mundo, diga-se) para o universo online onde o acesso é livre a todos os computadores (dados pessoais, bancários, etc.) do mundo? O que fazer com esse poder? Essa onipresença poderia resultar em uma nova forma de um Deus? E, por fim, poderia Will Caster ser o mesmo Will Caster, sem corpo, habitando aquele computador?

Nesse diapasão é possível imaginar uma consciência coletiva gerindo a vida humana e todos serem parte de um ente maior, na qual sua liberdade é limitada e restringida, para não dizer controlada por essa inteligência. Claro que se trata de uma ficção científica, porém, o modelo é perfeitamente plausível para viabilizar e resolver questões atinentes à liberdade e ao livre-arbítrio de acordo com a visão de Spinoza.

Agora vejamos, se tal ideia já nos parece um tanto quanto futurista em pleno século XXI, imagine para a realidade da época de Spinoza? O que não diminui em nada este pensamento, ainda que duvidemos de sua aplicabilidade prática.

Nesse esteio, como Spinoza não tinha ferramentas para afirmar ou tampouco defender uma consciência coletiva, no que tange à liberdade esta somente é absoluta, definida na Parte 1, Definição 7, para e em Deus44. Por fim e não nos alongaremos no tema, ainda existe outra ideia de liberdade, esta mais relativa, sugerida pela teoria do conatus. Embora somente Deus exista pela necessidade de sua própria natureza e tudo o mais dependa dele como sendo a causa que tudo abrange, os modos finitos podem conter, em maior ou menor grau, as causas de sua atividade e persistência em si mesmos45.

O racionalismo, então, questiona os milagres religiosos, porque estes entram em conflito com as leis da natureza. E, com isso, as próprias revelações bíblicas também são colocadas em xeque.

Conclusão

Spinoza nega a liberdade individual. O artigo inteiro se resume a esta simples frase. Contudo, para compreender os motivos e a justificação de Spinoza se poderia percorrer o caminho tradicional, qual seja, apresentar a teoria racionalista e localizar as ideias de Spinoza nesta teoria, ou, seguir a nossa metodologia, qual seja, primeiro apresentar quem foi Spinoza, qual a sua relação com os religiosos e, em especial, com o movimento que se desenvolveu inclusive na Holanda, em decorrência de seu principal expoente: Descartes ter vivido naquele País na mesma época de Spinoza.

No entanto, além de Descartes, Spinoza tem uma influência clara da física de Euclides. Assim, ao associar a visão racionalista é possível compreender os motivos que levaram Spinoza a desconsiderar a liberdade do indivíduo. Pois, se considerasse a presença do livre arbítrio e a liberdade individual, Spinoza não conseguiria justificar sua visão de Universo de acordo e em consonância com a visão matemática defendida pelos racionalistas.

Assim, apresentamos a ligação de Spinoza com os ideais cartesianos para localizar a teoria que se desenvolveria a seguir. Do contrário, se torna deveras complexo compreender como que as ideias de Spinoza surgiram. Novamente se faz necessária uma adequação ao cenário vivido pelo pensador.

No contexto e sob a ótica contemporânea é compreensível afirmar que Spinoza não tinha razão e que o livre arbítrio e a liberdade individual existem, porém, não o será possível se analisado a partir da ótica da realidade vivida na época por Descartes, Leibniz e Spinoza.

Com isso a apresentação de corpo, alma e substância são essenciais a fim de formar a visão de mundo que os racionalistas pretendem com a matematização do Universo. Descartes é o início do racionalismo, contudo, este não culmina com este e sua conclusão somente se dará com Wolff (objetivação da razão).

Leibniz cuidará dos problemas apontados e trazidos por Spinoza e se ocupará em conciliar a visão cristã do Universo com o projeto racionalista de matematização deste. Neste pensador se introduziria o conceito de monada para a forma e individualidade da substância.

Leibniz trocava correspondência com Spinoza e acompanhou os problemas advindos do cartesianismo. A questão da substância ocupa o cerne do debate destes pensadores e cada qual irá se ocupar de justificar seu modelo no que tange a corpo e alma a fim de racionalizar e matematizar o universo.

No entanto, não é escopo deste trabalho avançar no racionalismo e, tampouco, na solução dos problemas causados pela negação da liberdade em Spinoza. Mas sim, localizar o pensador na sua realidade espaço-temporal e apresentar os motivos que culminaram com esta problematização. Então, para o modelo de Spinoza faça sentido necessário será, de fato, negar a existência da liberdade.

Não sabemos se Spinoza tinha consciência da importância dos racionalistas e cremos que não, porém, é de se destacar a coragem deste pensador em enfrentar severas resistências a sua negação da liberdade e, em especial, em afrontar os religiosos e sua visão de mundo, o que lhe trouxe como consequência não se sustentar por sua própria produção literária e ser obrigado a trabalhar para conseguir subsistir.

E importante notar a importância do racionalismo, em especial, Descartes para o conceito e visão que temos hoje do ser, da substância, de Deus e do próprio Universo. Com o racionalismo se inaugura o que conhecemos por filosofia moderna e, para a época representou um avanço sem precedentes em termos de conhecimento do Universo e do próprio ser.


Antonio Baptista Gonçalves
Advogado, Membro da Associação Brasileira dos Constitucionalistas, Pós-Doutor em Ciência da Religião pela PUC/SP, Pós-Doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de La Matanza. Doutor e Mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP, Especialista em Direitos Fundamentais pela Universidade de Coimbra, Especialista em International Criminal Law: Terrorism’s New Wars and ICL’s Responses pelo Istituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali, Especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra, Pós-Graduado em Direito Penal – Teoria dos delitos pela Universidade de Salamanca, Pós-Graduado em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.


Fecha de Recepción: 30 de octubre de 2014


Fecha de Aprobación: 28 de noviembre de 2014

Editor: Adolfo Vásquez Rocca D. Phil, ROF, Nº 18, 2014


Como Citar este Artículo:
BAPTISTA GONÇALVES, Antonio, “A liberdade em Spinoza; discussão com Descartes”, en Revista Observaciones Filosóficas, Nº 19 - 2014 - ISSN 0718-3712, Indexado en DOAJ - Directory of Open Access Journals Lund University.




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SPINOZA, Tratado Teológico-político. Tradução Diogo Pires Aurélio. São Paulo: Martins Fontes, 2003.



1 De acordo com a tradução de seu nome podemos verificar a existência de Bento de Spinoza, Benedictus de Spinoza, Baruch de Espinosa, a fim de não criar uma grande variação em termos de sua nomenclatura, em nosso texto adotaremos de forma uniforma a designação ao pensador como Spinoza. Bento, é traduzido para o latim por “Benedictus” e para o hebraico por “Baruch”.

2 No dia 24 de novembro de 1632, em Amsterdam, nasceu Baruch (ou Bento em português, ou Benedictus em latim). Nasceu marcado pelo conflito de suas origens: judeu, porque recebido na comunidade de Abraão e por receber educação rabínica; português (e com o catolicismo implícito nesse fato), porque seus pais eram emigrantes portugueses, o português sua língua materna; holandês, porque nasceu em Amsterdam, morreu em Haia e porque participou da vida política e cultural dos Países-Baixos. SPINOZA, Benedictus de. Pensamentos metafísicos; Tratado da correção do intelecto; Ética; Tratado político; Correspondência. Traduções de Marilena de Souza Chauí et al. 3 ed. São Paulo: Aril Cultural, 1983, p. 7 e 8.

3 SCRUTON, Roger. Espinoza. Tradução Angélika Elisabeth Könke. São Paulo: UNESP, 2000, p. 5.

4 Segundo Scruton, foi excomungado da Igreja Católica, perseguido por judeus, e passou maior parte de sua vida recluso, em estudos abrangentes, assim como os filósofos de sua época, perpassando de filosofia à matemática e ciências físicas.

5 In PRADEAU, Jean-Françoes (org.). História da Filosofia. Tradução de James Bastos Arêas e Noéli Correia de Melo Sobrinho. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 233.

6 Spinoza levou, portanto, uma existência discreta, sem por isso se isolar do mundo: ele teve, de fato, como correspondentes os filósofos Tschirnhaus (1651-1708) e Leibniz (1646-1716), assim como célebres eruditos, principalmente Robert Boyle (1627-1691) e o secretário da Royal Society de Londres, Henri Oldenburg (1618-1677).Ele consagrou os últimos anos de sua vida à redação e ao término de sua obra-prima filosófica, a Ética, assim como ao Tratado político, cuja redação foi interrompida por sua morte, em 1677. In PRADEAU, Jean-Françoes (org.). História da Filosofia. Tradução de James Bastos Arêas e Noéli Correia de Melo Sobrinho. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 233.

7 FISCHER, Kuno et al. Estudos sobre Spinoza. Tradução Eliana Aguiar, Estela dos Santos Abreu, Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014, p. 34.

8 “Quando, portanto, a Bíblia diz que a terra é árida por causa dos pecados dos homens ou que os cegos se curam pela fé, não lhe devemos dar mais atenção do que quando diz que Deus se enfurece com os pecados dos homens, que está triste, que se arrepende do bem que prometeu ou fez, ou que, vendo um sinal, se lembra de algo que havia prometido; essas expressões e outras semelhantes são lançadas poeticamente ou relatadas segundo opiniões e preconceitos do autor. Podemos estar absolutamente certos de que todo acontecimento verdadeiramente descrito nas escrituras forçosamente se verificou, como tudo mais, segundo as Leis Naturais; e se há, ali, algo escrito que se possa provar em termos estabelecidos e que contradiz a ordem da natureza ou dela se deriva, devemos acreditar que foi introduzido sub-repticiamente nos escritos sagrados por mãos irreligiosas; pois o que quer que seja contrário à natureza é contrário à razão, e o que quer que seja contrário à razão é absurdo”. SPINOZA, Tratado Teológico-político. Tradução Diogo Pires Aurélio. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

9 Apensas um dos exemplos que resultaram da não admiração de Spinoza por parte dos religiosos: Os judeus gozavam, na República Holandesa, de liberdade religiosa, que lhes era negada em outras partes do mundo cristão; mas essa liberdade podia ser-lhes retirada se não cumprissem o acordo que possibilitava a permanência deles. Em função disso, Saul Monteira convoca Espinosa e lhe pede que abandone suas críticas referentes aos ensinamentos da sinagoga, mas este se mostra convencido de que a razão está do seu lado e não retrocede. Então, os chefes da sinagoga oferecem a Espinosa uma pensão anual de mil gulden para que se cale. Mas isso era impossível para um genuíno filósofo, e Espinosa responde com um opúsculo: “Apologia para justificar a ruptura com a sinagoga”. O herem foi a resposta oficial dos chefes da comunidade judaica, o qual fora proferido em 27 de julho de 1656. Com esse ato, Espinosa era banido da sinagoga. A sentença assinada por Saul Morteira assim dizia: “Excomungamos, expulsamos, execramos e maldizemos Baruch de Espinosa, ninguém deve dirigir-lhe a palavra ou prestar-lhe qualquer serviço ou ler seus escritos ou chegar a quatro côvados de distância dele”. Morteira comparece perante as autoridades de Amsterdã, notifica as das acusações e do “herem” e pede a expulsão de Espinosa da cidade. REZENDE, Wander Ferreira. A liberdade em Espinoza. Tese de Mestrado em Filosofia. Rio Grande do Norte: Universidade do Rio Grande do Norte, 2006, p. 15 e 16.

10 SPINOSA, Baruch de. Tratado Teológico-Político. Tradução de Diogo Pires Aurélio. Imprensa Nacional, p. 201.

11 In PRADEAU, Jean-Françoes (org.). História da Filosofia. Tradução de James Bastos Arêas e Noéli Correia de Melo Sobrinho. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 237.

12 De acordo com André Martins em sua obra Spinoza & Nietzsche, Spinoza insurge para renunciar à ideia de um Deus-Rei transcendente que perpetua até então na ontologia tradicional, trata-se de desmistificar o que acredita ser um pensamento de ficção ignorante.

13 SANTIAGO, Homero. Espinosa e o cartesianismo: o estabelecimento da ordem nos Princípios da Filosofia Cartesiana. São Paulo: FAPESP, 2004, p. 9.

14 À época, o cartesianismo estava na ordem do dia, não faltavam explicações, cursos, refutações, sobretudo na Holanda, e se os PPC de fato mereciam algum destaque, quer dizer, mereciam serem lidos, isso justifica-se por sua dupla novidade, que depois de algumas explicações podemos reduzir a duas palavras: geometrização e fidelidade, expor geometricamente o cartesianismo, manter-se a ele fiel, sem dar azo à polêmica. SANTIAGO, Homero. Espinosa e o cartesianismo: o estabelecimento da ordem nos Princípios da Filosofia Cartesiana. São Paulo: FAPESP, 2004, p. 13.

15 A obra nasceu de aulas a um jovem universitário comensal de Espinosa a quem este prometera e cumprira o ensino da física cartesiana, o que se deu maiormente por uma explicação da segunda parte dos Princípios. Por insistência de amigos, o filósofo preparou uma parte inicial com a exposição da metafísica de Descartes e entregou a Luís Meyer o cargo da edição e redação de um prefácio; ficando então o livro composto por duas partes completas, o início da terceira incompleta, e o apêndice sobre temas escolásticos. Seu objetivo primeiro, anunciado pelo título e sobre o que insiste o prefácio, é a exposição dos princípios da filosofia segundo a maneira geométrica. SANTIAGO, Homero. Espinosa e o cartesianismo: o estabelecimento da ordem nos Princípios da Filosofia Cartesiana. São Paulo: FAPESP, 2004, p. 11.

16 RIZK, Hadi. Compreender Spinoza. Tradução Jaime A. Clasen. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 12.

17 Historicamente, a concepção de que os seres humanos são livres e, por conseguinte, responsáveis pelos seus atos voluntários, surgiu durante o chamado período axial. Antes dele, prevalecia a convicção de que as forças sobrenaturais decidiam, em última instância, o destino da vida humana. A divindade estaria na origem de nossas boas ou más ações.A criação da filosofia ética na Grécia, como lembrado, partiu do postulado fundamental da liberdade de cada indivíduo e, em consequência, da irrecusável responsabilidade de cada qual na condução de sua vida. No plano político, contudo, como também foi assinalado, gregos e romanos consideravam que a liberdade dizia respeito, unicamente, à vida coletiva: ela existia para o povo em seu conjunto, diante de outros povos, não para os indivíduos em relação à pólis. Sob esse aspecto, portanto, ela se apresentava como o direito de participação ativa na vida política.
Para os modernos, ao contrário, a liberdade foi redescoberta e afirmada, no século XVIII, como um status de independência do indivíduo, defesa da vida íntima ou particular contra a indevida interferência dos poderes constituídos, sejam eles políticos ou religiosos. Logo em seguida, porém, já na primeira metade do século XIX no Ocidente, a destruição, pelo capitalismo industrial, das antigas estruturas sociais, engendrando a nova servidão da classe operária, fez ver a importância de defender a liberdade coletiva da classe da classe trabalhadora, frente ao poder econômico irrefreado dos empresários. COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 538.

18 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores Nagib Slaibi Filho e Priscila Pereira Vasques Gomes. 29 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 843.

19 DICIONÁRIO HOUAISS DA LÍNGUA PORTUGUESA. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 1752.

20 CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13 ed. São Paulo: Ática, 2006, p. 405.

21 PETIT, Philip. Teoria da Liberdade. Trad. Renato Sérgio Pubo Maciel. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 61 e 62.

22 PETIT, Philip. Teoria da Liberdade. Trad. Renato Sérgio Pubo Maciel. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 9 e 10.

23 SEN, Amartya. A ideia de Justiça. Trad. Denise Bottman e Ricardo Dinelli Mendes. São Paulo: Companhia das letras, 2011, p. 261 a 263.

24 COMPARATO, Fábio Konder. Ética – Direito, moral e religião no mundo moderno. 2 ed. São Paulo: Companhia das letras, 2006, p. 537.

25 Que essência do corpo, segundo Descartes, é a extensão, todo mundo “sabe”; que isso possibilita a aplicação da geometria à física e, mais ainda, conduz à formulação de uma física estritamente geométrica. PORTA, Mario Ariel González. A filosofia a partir de seus problemas. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2004, p. 62.

26 É, em certo sentido, uma suma perfeição no homem que ele aja pela vontade, isto é, livremente, sendo assim de um certo modo peculiar o autor de suas ações e por elas merecendo louvor. DESCARTES, René. Princípios de Filosofia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2002, p. 53.

27 “Que haja liberdade em nossa vontade, e que, a nosso arbítrio, possamos assentir ou não assentir a muitas coisas é a tal ponto manifesto que deve ser enumerado entre as mais primeiras e comuns noções que nos são inatas. E isso ficou patente no mais alto grau um pouco antes, quando empenhando-nos em duvidar de todas as coisas, chegamos ao ponto de fingir que algum poderosíssimo autor de nossa origem se esforçava por nos enganar de todas as maneiras. Apesar disso, experimentávamos, com efeito, existir em nós essa liberdade (...) que podíamos nos abster de crer naquelas coisas que não eram inteiramente certas e averiguadas. Nem pode existir coisa alguma mais conhecida por si e mais bem discernida do que as coisas que naquele momento pareciam não ser duvidosas”. DESCARTES, René. Princípios de Filosofia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2002, p. 57.

28 Deus é um ente absolutamente infinito, isto é, uma substância que consiste de infinitos atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita. SPINOZA, Benedictus de. Ética. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010, p. 13.

29 Se Deus é Substância, Essência e Potência de tudo ao redor, incluindo de si mesmo, nada pode existir sem ele, livre de sua influência, pois na hipótese de sua ausência não se teria substância e como é impossível algo existir sem ela, nada pode existir além da natureza divina. SPINOZA, Benedictus de. Ética. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010.

30 Para Descartes existem duas substâncias: a alma e o corpo e foi ele que definiu uma diferenciação entre corpo e alma. Um corpo, a matéria (redução forma o conceito moderno de matéria) não é mais algo que ocupa um lugar no espaço, o corpo se esgota em suas propriedades geométricas (largura, altura, profundidade). Assim, o corpo é objeto da física enquanto redução dos valores geométricos. Já alma de um é numericamente diferente de outra já para os corpos a diferença se processa de acordo com a variação das propriedades geométricas (o modo como o corpo aparece).

31 Spinoza retoma certos termos clássicos da ontologia e da metafísica (Deus, substância, atributos, modos), não lhes atribui necessariamente um sentido tradicional. Por exemplo, Spinoza segue Descartes (mas não Aristóteles) no que se refere à noção de substância. Em compensação, seu Deus não é em nada cartesiano; não é o Criador transcendente, mas a própria natureza; é o famoso Deus sive natura: Deus, ou seja, (é a mesma coisa) a natureza. HUISMAN, Denis. Dicionário de Obras Filosóficas. Tradução Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 211.

32 Se é verdade que toda coisa tem o ser em Deus – “Deus não é somente causa eficiente da existência das coisas, mas também da essência delas” (Ética I, prop. 25) – Deus, no entanto, não tem nem a mesma essência nem a mesma existência que as coisas. A potência de Deus é eterna, pois Deus é um ser incriado, cuja existência provém só de sua essência, ao passo que a existência das coisas naturais não decorre somente de sua essência, que, como já dissemos, não basta para fazer as coisas existirem. Assim a eternidade de Deus significa que seu ser escapa do tempo, da mudança, de tudo o que acontece a uma razão de outras coisas que não dela mesma. RIZK, Hadi. Compreender Spinoza. Tradução Jaime A. Clasen. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 21.

33 MARQUES, Jordino. A liberdade no tratado das paixões de Descartes. Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 12, n. 1-2, p. 269-284, jan.-dez. 2002, p. 269.

34 Para a visão de Espinoza existe uma e somente uma substância, e que esta única substância é Deus, isto é, é um modo de Deus e, como tal, é dependente Dele. SCRUTON, Roger. Espinoza. Tradução Angélika Elisabeth Könke. São Paulo: UNESP, 2000, p. 15.

35 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução Alfredo Bosi. 5 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 702.

36 Além de Deus, não pode existir nem ser concebida nenhuma substância. Como Deus é um ente absolutamente infinito, do qual nenhum atributo que exprima a essência de uma substância pode ser negado, e como ele existe necessariamente, se existisse alguma substância além de Deus, ela deveria ser explicada por algum atributo de Deus e existiriam, assim, duas substâncias de mesmo atributo, o que é absurdo. Portanto, não pode existir e, consequentemente, tampouco pode ser concebida nenhuma substância além de Deus. Pois, se pudesse ser concebida, ela deveria necessariamente ser concebida como existente. Mas isso é absurdo. Logo, além de Deus, não pode existir nem ser concebida nenhuma substância. SPINOZA, Benedictus de. Ética. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010, p. 29 a 31.

37 Todos os prejuízos (...) dependem de um só, a saber: os homens supõem comumente que todas as coisas da Natureza agem, como eles mesmos, em consideração de um fim, e até chegam a ter por certo que o próprio Deus dirige todas as coisas para um determinado fim, pois dizem que Deus fez todas as coisas em consideração do homem, e que criou o homem para que lhes prestasse culto. Pensamentos metafísicos; Tratado da correção do intelecto; Ética; Tratado político; Correspondência. Traduções de Marilena de Souza Chauí et al. 3 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

38 O homem é livre na exata medida em que tem o poder para existir e agir segundo as leis da natureza humana (...), a liberdade não se confunde com a contingência. E, porque a liberdade é uma virtude ou perfeição, tudo quanto no homem decorre da impotência não pode ser imputado à liberdade. Assim, quando consideramos um homem como livre, não podemos dizer que o é porque pode deixar de pensar ou porque possa preferir um mal a um bem (...). Portanto aquele que existe e age por uma necessidade de sua própria natureza, age livremente (...). A liberdade não tira a necessidade de agir, mas a põe. SPINOZA, Tratado Teológico-político. Tradução Diogo Pires Aurélio. São Paulo: Martins Fontes, 2003, II, p. 7 e 11.

39 SPINOZA, B. Pensamentos Metafísicos. Tratado da Correção do Intelecto. Ética. Tratado Político. Correspondências. Traduções de Marilena de Souza Chauí et al. 3 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 166.

40 SPINOZA, Benedictus de. Pensamentos metafísicos; Tratado da correção do intelecto; Ética; Tratado político; Correspondência. Traduções de Marilena de Souza Chauí et al. 3 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 14.

41 ESPINOSA, B. Pensamentos Metafísicos. Tratado da Correção do Intelecto. Ética. Tratado Político. Correspondências. Traduções de Marilena de Souza Chauí et al. 3 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 102.

42 SCRUTON, Roger. Espinoza. Tradução Angélika Elisabeth Könke. São Paulo: UNESP, 2000, p. 11.

43 O dr. Will Caster (Johnny Depp) é o mais famoso pesquisador sobre inteligência artificial da atualidade. No momento ele está trabalhando na construção de uma máquina consciente que conjuga informações sobre todo tipo de conteúdo com a grande variedade de emoções humanas. O fato de se envolver sempre em projetos controversos fez com que Caster ganhasse notoriedade, mas ao mesmo tempo o tornou o inimigo número 1 dos extremistas que são contra o avanço da tecnologia - e por isso mesmo tentam detê-lo a todo custo. Só que um dia, após uma tentativa de assassinato, Caster convence sua esposa Evelyn (Rebecca Hall) e seu melhor amigo Max Waters (Paul Bettany) a testar seu novo invento nele mesmo. Só que a grande questão não é se eles podem fazer isto, mas se eles devem dar este passo.

44 Colocamos o supremo conhecimento entre os atributos de Deus e acrescentamos que tira toda a sua perfeição de si mesmo e não de outra coisa. Se se disse, então, que há vários deuses ou vários entes sumamente perfeitos, todos deverão ser necessariamente supremamente cognoscentes. Para isto não é suficiente que cada um conheça somente a si mesmo, pois, se cada um deve conhecer tudo, então é preciso que conheça a si mesmo e aos outros, e neste caso decorreria que uma perfeição de cada um, a saber, o intelecto, seria em parte dele e em parte de outro. E, assim, nenhum poderá ser supremamente perfeito, isto é, como acabamos de observar, um ente que tira toda a sua perfeição de si mesmo e não de um outro. E, no entanto, já demonstramos que Deus é um ser perfeito no mais alto grau e que ele existe. Podemos, concluir que ele é o único Deus existente, pois, se existissem vários, isto implicaria que um ente perfeito no mais alto grau tem uma imperfeição, o que é absurdo. Eis aí o que se refere à unidade de Deus. SPINOZA, Benedictus de. Pensamentos metafísicos; Tratado da correção do intelecto; Ética; Tratado político; Correspondência. Traduções de Marilena de Souza Chauí et al. 3 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 19.

45 SCRUTON, Roger. Espinoza. Tradução Angélika Elisabeth Könke. São Paulo: UNESP, 2000, p. 30.


Revista Observaciones Filosóficas - Nº 19 / 2014




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